A Casa da Eira

Foi há quase meio-século… dia de nevoeiro cerrado… fazíamos campismo no parque de Caminha.

Não nos agradou permanecer nem no parque nem na praia, se bem que a foz do rio Minho fosse esse local belíssimo que podíamos gozar.

Decidimos ir de passeio até Moledo, deambular por lá.

Encontrámos um habitante local, o simpático Sr. António, a quem perguntámos se conhecia terrenos para venda. Pura conversa nossa!

“Aqui não”, disse ele, “mas sei de uma meia-quinta na aldeia que está à venda”.

Ele entendia. Levou-nos lá: foi o princípio de tudo.


     

Recordo a abertura num muro arruinado, grandes pedras espalhadas pelo chão, por onde penetramos com a ajuda de uma catana e de um pulso forte que foi derrubando as austrálias até às ameixoeiras vislumbradas ao longe, deslumbrantes nos seus milhares de frutos pendurados, maduros e entumecidos, dourados, luminosos. Intocados!

Provámos.

Não, nunca tínhamos saboreado nada semelhante, nada tão terrivelmente puro, gostoso, abundante, tentador.

Foi o que nos decidiu a comprar: os frutos dourados, inigualáveis, fáceis de alcançar como num éden onde nada fosse proibido e tudo tivesse uma espécie de estatuto icónico. Apenas tínhamos que lá chegar.

Não digo que foi fácil.

Seguiram-se anos trabalhosos de contactos e convívio com o arquiteto Álvaro Siza a quem pedimos para recuperar as duas casas rústicas onde as austrálias cresciam. Acho que ele teve ali grandes momentos de inspiração.

Nas casas, procurou atingir a perfeição.

O jardim – essencial como enquadramento para a casa – a sua estrutura foi primeiramente pensada pelo Arquitecto e depois com pequenos jeitos, foram crescendo (deixamos crescer) as flores aqui e ali, os arbustos, as árvores e os frutos, o relvado… e o silêncio com as suas sonoridades.

O silêncio e a tranquilidade – o mais custoso de encontrar – conseguimo-los e aí estão para todos apreciarem.

     

Apaixonámo-nos. O génio do Arquitecto acendeu-se – ajudou-nos a descobrir a magia do lugar; ele e uns quantos a quem gostaria de prestar homenagem… o Sr. Guardão, a Sra. Alxília, o Sr. Floriano…    

     

E recordo os pássaros com os cantos matinais, personagens valiosos e tão estimulantes com o seu bater de asas como os ninhos na Primavera, as borboletas amarelo-esverdeadas quase transparentes e as desafiantes libélulas sobrevoando a água transparente...

Os pequenos morangos silvestres que perfumam o ambiente e as flores do campo de que a Sra. Maria, noutro tempo, fazia os magníficos ramos com que me presenteava logo à chegada, de cada vez, são elementos inesquecíveis dessa magia. E eu nunca mais tive presente tão bonito e que mais apreciasse do que aquele ramo arranjado com perícia e sensibilidade!

Foi este o lugar em que recebemos os amigos nos bons anos da nossa vida, sempre rodeados de alegria e de jogos; e de sorrisos mesmo quando chovia – oferecíamos com singeleza o que tínhamos de apreciável.

Mais tarde, pudemos comprar o restante terreno com as casas que presentemente lhes alugamos, igualmente recuperadas pelo grande Arquiteto.

A Casa da Eira conserva um fascínio que não existe em nenhum outro local. Desejamos que quem a visita seja tocado pelo encanto simples que há muitos anos nos moveu.

Continuamos a oferecer o que temos de apreciável.